Sejam quais forem os motivos da decisão, a chegada a Portugal no contexto migratório apresenta inúmeros desafios. A salientar, a necessidade de compreender o universo de
chegada, começando pela língua. Seja pelo acesso ao trabalho, seja pelo acesso à educação,
a aprendizagem ou adaptação à língua portuguesa é sempre um desafio.
Refiro-me a aprendizagem ou adaptação porque efetivamente representam
processos linguísticos para realidades diferentes. Por um lado, temos pessoas em que a língua
portuguesa é a sua realidade linguística, pois a língua portuguesa é a sua língua materna,
sejam eles monolingues ou bilingues; e por outro, pessoas cuja aprendizagem da língua se
encontra em diferentes níveis e competências. É precisamente o não reconhecimento destas
diferenças que demasiadas vezes falha no sistema educativo português. Ao invés,
frequentemente o tratamento segue o critério dicotómico entre quem é considerado
Português, e que por sua vez lhe é reconhecido o pleno domínio da variante portuguesa, e o
outro, cujo domínio da língua parece nunca ser o suficiente. Não faltam exemplo tantas vezes
afirmados: “está tudo muito bem, mas só fala brasileiro”, “seguramente não domina o
português porque em Africa falam todos dialetos”. São precisamente estas realidades
linguísticas de cada falante que recorrentemente continuam a ser ignoradas sempre que é
feita uma avaliação de competências, no domínio da língua ou outras. Na prática, resulta
numa discriminação redobrada, que intersecciona o domínio da variante do português
europeu com a condição de migrante.
Para um país que se orgulha dos seus mais de 280 milhões de falantes, colocando-a
como 5a língua mais falada no mundo a partir da contabilização da população dos territórios
onde a língua portuguesa é língua oficial, não só esta discriminação é contrária ao discurso
vigente, como é extremamente gravosa. Ignora as necessidades dos falantes, tenham eles a
língua portuguesa como língua materna ou como língua estrangeira, afeta profundamente o
seu desempenho e leva a questionamentos sobre a própria valorização pessoal.
Para que haja uma resposta real às necessidades de cada um por parte do sistema de
ensino, é fundamental conhecer as diversas realidades linguísticas e de aprendizagem. O não
isolamento e a não discriminação são basilares na adaptação ao modelo de ensino e nos
processos de socialização. E a forma como dada instituição de ensino e seus representantes
abordam essas realidades e necessidades linguísticas reforça a importância do papel que
desempenham.
![]() Cátia Severino, Linguista e Investigadora Pós-Doutorada no Centro de Linguística da Universidade de Lisboa. |